terça-feira, maio 22

Estamos escutando?

Para as pessoas que gostam de uma boa leitura, indico as colunas da Revista Trip em especial de Carlos Nader.
Conheci ele em um artigo que gostei muito.
Tenho pedaços dele aqui no blog, em meus discursos em sala de aula, em bilhetes na parede.
E agora posto o artigo completo aqui no blog.
Com vocês:



Berrando e andando

Por Carlos Nader

Na ânsia de ser percebido, o artista grita tanto que não se entende mais nada o que ele diz

Arte e criatividade, temas desta Trip, não escapam às regras da época lotada em que vivemos. E em sua generalidade carregam o mesmo dilema específico com o que deparo agora, aqui mesmo, neste começo vazio de coluna.Num mundo saturado de meios, mensagens, modas e maneirismos, vou ter de, criativamente, gritar para que minha idéia seja comunicada. Gritando, contribuirei para que o mundo fique ainda mais saturado. Contribuindo para que o mundo fique ainda mais saturado, tornarei as idéias, inclusive as minhas, ainda mais difíceis de serem comunicadas.
A criatividade contemporânea vive um eterno domingo de pizzaria, em que o paradoxo da gritaria se instalou ruidosamente. Um círculo vicioso. Quanto mais se grita, menos se ouve. Claro que os gritos a que me refiro aqui são metafóricos. Na “comunicação criativa” de hoje, na arte, consciente ou não, um grito pode estar travestido de sacada inteligente, de gesto contundente, de piada obrigatória, de funk carioca, de história dos descendentes de Cristo, de tubarão num tanque de formol, de trepada flagrada numa praia da Espanha.

Tudo sai do nada
Nada contra os gritos, e muito menos contra as trepadas flagradas. Quase tudo pode ser bonito. Viva o grito. Viva o funk do Rio. Viva o fuck da Espanha. Mas vivam também todos os outros tons. Há poucos ouvidos para eles, agora que criatividade virou sinônimo de contundência. Tem sido assim. Aqui e aí, na arte ou na publicidade, na música ou na TV, os criativos contemporâneos estão via de regra em busca de uma idéia redonda, redondinha, redondíssima, que se comunique como uma bomba inteligente.
Então, pausa. Vamos ao dicionário. Em algum lugar da definição de “criar” do Houaiss, o leitor vai encontrar “extrair do nada”. Extrair do nada. Não poderia haver nada mais distante da era de excessos em que vivemos. Não só a palavra “nada”, como a própria idéia contida em “extrair”. Hoje, os verbos que querem definir o conceito de “criar” vão no sentido oposto. Ninguém parece querer extrair nada, só colocar mais. Produzir, inventar, trabalhar... A criação contemporânea é quase que exclusivamente uma atividade, uma pró-atividade, uma hiperatividade.

Aproveito o dicionário na mão para visitar uma outra palavra, o sinônimo de “criação” de que mais gosto. “Concepção”. Amo a ambigüidade fora de moda desse nome. Acho que temos muito o que aprender com ela. “Conceber” tem em si, ao mesmo tempo, um sentido e seu sentido inverso. Por exemplo: fulano concebe um poema. Sicrano não concebe a existência da poesia. Sim, “conceber” quer dizer simultaneamente “exprimir” e “entender”, duas ações diametralmente opostas. Algo como emitir e receber, falar e ouvir.
É esta a essência da criação, desde sempre. A de ser uma energia vital que nasce da interação de pólos opostos. Do esperma da atividade e do óvulo da passividade. Ou vice-versa. Talvez então seja este um dos grandes desequilíbrios da nossa época. Do pólo da atividade estamos bem servidos. Nunca houve tantos canais e ferramentas para que a criatividade humana se manifeste. Estamos podendo falar como nunca. E estamos falando como nunca. Mas estamos ouvindo?

*Carlos Nader, 41, não tem nada a ver com tudo – prefere o que é específico. Seu e-mail é: carlos_nader@hotmail.com

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